domingo, 8 de novembro de 2015

A visão duma missionária, nas trevas densas da Índia




Os tambores soavam a noite inteira, e a escuridão me envolvia, como se fosse um ser vivente. Não podia dormir, mas deitada, com os olhos abertos, parecia que via o seguinte:

Eu estava de pé sobre a grama, à beira dum abismo. Olhei, mas não podia ver o fundo; havia somente nuvens horríveis e profundezas insondáveis. Afastei-me, atônita.
Então percebi vultos de pessoas andando, uns após outros, pelo gramado. Estavam marchando para a beira do abismo. Vi uma mulher com uma criança nos braços e outra a seu lado, segurando-se-lhe no vestido. Ela estava bem na margem! Vi, então, que era cega. Levantou o pé para dar um passo mais, e caiu, e a criança foi com ela. Oh que grito!

Vi também uma multidão de gente procedente de todos os lados. Todos eram cegos; todos andavam em direção à margem do
precipício. Quase todos gritavam quando se sentiam caindo, e levantavam as mãos, como se quisessem segurar-se em alguma coisa para não cair, enquanto outros passavam e caíam, calados.
Então senti grande agonia: Por que não havia alguém para preveni-los do perigo? Eu não podia fazê-lo. Estava paralisada no lugar e não podia clamar. Apesar de fazer os maiores esforços, só podia cochichar.

Depois vi que ao longo da margem, estavam postas algumas sentinelas. Porém o espaço entre elas era grande demais, e nestes lugares caíam multidões de pessoas cegas, sem serem prevenidas. A verde grama parecia-me encarnada, como o sangue; e o abismo parecia a boca aberta do inferno.

Então vi, como se fosse um quadro de paz, um grupo de gente debaixo de algumas arvores, com as costas viradas para o abismo: estavam fazendo enfeites de flores. Às vezes, quando um grito agudo rompia o silencio, eles se turbavam e se queixavam do barulho. E, se alguém se levantava para ir acudir-lhes, lhe seguravam, dizendo: “Por que estás perturbado? Não tens acabado a tua grinalda. É feio ires e deixar-nos trabalhando”.

Havia um outro grupo: era de pessoas que se esforçavam em mandar mais sentinelas, mas poucas queriam ir; em alguns lugares havia espaços de alguns quilômetros, sem sentinelas na margem do abismo.

Vi uma moça parada, sozinha, num lugar, evitando que alguém caísse, mas sua mãe e outros parentes chamaram-na, dizendo que era tempo para as suas férias e que não devia deixar o costume de gozar. A moça, sentindo-se cansada e obrigada a fazer uma mudança, retirou-se por um tempo. Mas ninguém foi enviado para guardar o lugar que ela deixara, e as pessoas caíam constantemente, como uma cachoeira de almas.
Num certo ponto, uma criança, ao cair, agarrou-se numa moita de capim, que estava na margem do abismo. Ficou pendurada, chamando, pedindo socorro, mas ninguém prestava atenção. Por fim arrancou-se o capim pelas raízes, e a criança caiu, dando um grito, tendo as mãozinhas ainda agarradas ao capim.
A moça que desejava estar de novo no seu lugar, pensava ter ouvido o grito da criança. Mas quando falou em voltar, foi reprovada pelos parentes, que diziam não haver necessidade, que o lugar seria guardado por outro. Então cantaram um hino.
Enquanto cantavam o hino, ouvia-se outro som, como se fosse a dor de milhões de corações exprimida numa só gota, num só soluço. Sobreveio-me um horror de grandes trevas, porque entendi que era o grito de sangue.

Então trovejou a voz, a voz do Senhor, que disse: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão está clamando a mim desde a terra”.

Os tambores continuavam a tocar pesadamente, e a escuridão ainda tremia ao redor de mim! 

Ouvia os gritos dos que dançavam a dança dos demônios e o triste clamor dos endemoninhados, fora de nosso portão.
Que importa? Há muitos anos que isso acontece. Continuará acontecendo por muitos anos ainda. Por que falar de uma coisa que tem de ser?


Ó Deus nos perdoe! Deus nos acorde! Que Deus nos faça sentir a nossa dureza!

Texto retirado do Livro - Esforça-te para ganhar almas - Orlando Boyer


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